Eu não sou diferente... Os outros é que são muito iguais.
Já se tornou comum vermos sempre um freak e o seu cão. É verdade que não sei por que se tornou regra e qual será a tese filosófica que estará por detrás desta assunção de cumplicidade, mas que é um facto, isso é. Se ainda não repararam, aconselho-vos, na próxima oportunidade que tiverem de atravessar o vosso caminho com um desses representantes de tal subcultura, a olhar em redor do mesmo e rapidamente verificarão a existência de espécimens caninos na ratio 1:1.
O que não é comum é encontrarmos uma dessas parelhas no meio da cidade de Lisboa, e insólito mesmo - atrevo-me a alvitrar! - é vermos um freak a correr literalmente atrás do seu cão, cruzando grandes artérias da capital, sem olhar a semáforos e a trânsito da hora de ponta... Será que o cão sentiu que esta seria a oportunidade ideal de fugir ao jugo dos odores almiscarados? Ou será que o cão se fartou de comungar com a Natureza? Naquele momento estava 1-0 para o cão, já que o freak ainda tinha que galgar uns bons 100m (a subir do Marquês para as Amoreiras) apesar dos bramidos que soltava na sua louca perseguição.
O jantar de Verão deste ano foi em nossa casa. Reunimos a T e o JP (sem a namorada) e tivemos um espectacular serão de amigos. Para a refeição, decidi fazer algo de fusão. Cozinhas mediterrânica e oriental. Parece que não soa bem, mas, acreditem!, estava
saborosíssima (modéstia à parte hehe). Ora bem. Como entrada, servimos
bruschetta al pomodoro (que por acaso, ou melhor, por falta de bateria, é a única foto com que ficámos do jantar, mas toda tremida) e um queijo de cabra excelente. Depois, como prato principal, fizemos um molho de tomate, cebola, alho, azeite e ervas aromáticas no
wok e na panela ocidental cozemos
mai fun (
spaghetti fino de farinha de arroz). Tudo acompanhado com um pão de azeitonas verdes e oregãos frescos, também feito cá em casa, que (ainda morninho) casava às mil maravilhas com o Monte das
Servas. As sobremesas foram bem ocidentais: tarte de maçã com gelado de natas e mousse de manga. Sim, é verdade que uma sobremesa seria o suficiente, mas pronto...
mea culpa.
Depois da paparoca, a jogatana. Como ando viciada no triominó (dominó com 3 faces), insisti em jogar, e ainda bem que o fiz pois parece-me que eles também ficaram meio adictos... hehe Depois ainda houve alento para um Scrabble, mas já com muitos bocejos e tentativas vãs de invenção de palavras.
No rescaldo, o JP a pedir mais tarte de maçã com gelado e a não parar de louvar o pão com azeitonas verdes e oregãos frescos.
Faleceu Eduardo Prado Coelho.
Chavela
Eduardo Prado Coelho - O Fio do Horizonte
(in: Jornal Público de 19/09/06)
«Foi numa noite de chuva copiosa. Chovia tanto que decidi parar o carro - porque não via nada à minha frente. E abri o rádio do carro. Foi então que ouvi uma voz rasgada, pedregosa, roufenha, mas intensíssima, como se a vida toda tivesse passado através dela, e disso resultasse esta música de melodrama, de separações com amantes, de dores nocturnas, de madrugadas cinzentas.
Esperei para que no final dissessem o nome de quem cantava. E disseram: Chavela Vargas. No dia seguinte, lancei-me à procura de todos os discos dela e trouxe-os todos para casa. Aqui em Portugal não se conhecia o nome (já se conhece?). Apesar de Almodóvar a adorar e tê-la feito entrar num dos seus filmes.
Sabia que tinha abandonado os espectáculos. Tem hoje 87 anos. Eu julgava que ela nascera no México. Mas não, foi na Costa Rica. Aos 14 anos, depois de uma infância extremamente dura, vendeu duas vacas e foi para o México. Onde ficou 70 anos. A entrevista que concede a uma revista espanhola mostra como hoje se sente feliz e pacificada. Um rosto admirável, que continua admirável. E que vida!
No México conviveu com amigos como Frida Kahlo, Diego Rivera, Guadalupe Amor ou Dolores del Rio. Ela diz-nos, contudo, que quando a infância foi marcada pela ausência de ternura, o resto da vida essa ausência perdura. Chavela é algo céptica em relação aos casais que vivem juntos. "A convivência acaba com tudo, é muito dura." E a solidão acentua-se na relação.
Chavela recorre ao álcool e transforma-se numa verdadeira alcoólica. De tal modo que caiu na grande abjecção. Tinha então 50 anos. Até que um dia, sentindo-se morrer com a ressaca, disse para si mesma: "Ou me recomponho ou me suicido." Mas acrescentou: "Vou sair." E saiu daquele inferno... Depois, foi operada ao cérebro, mas aí achou que seria uma morte muito tranquila e feliz. Porque a morte por cirrose é horrível. E a vida de Chavela nunca foi fácil. Nasceu cega, teve polio, etc.
Hoje Chavela sente-se bem. E nós gostamos de ver falar assim uma mulher de 87 anos. Afirma: "Estou saudável e com o espírito lúcido." E acrescenta: "O medo não existe, somos nós que o inventamos. Eu não tenho medo de nada nem ninguém. Muito menos da morte." Ela diz que canta, mas canta "de verdade" e com a sua música tem ajudado a curar muitas pessoas.
Depois de lermos esta entrevista, ficamos com enorme admiração por esta mulher que se reconstruiu a pulso. E quando ouvirmos os seus discos vamos certamente ouvi-los de outra maneira.»
Tinha 63 anos. Professor, ensaísta e escritor. Colaborador do Público, onde mantinha uma coluna de segunda a sexta-feira, O Fio do Horizonte, e uma crónica semanal sobre literatura. Polémico e prolífico pensador. A sua derradeira crónica será publicada amanhã na edição de domingo.
Brevíssima biografia.Foi e será sempre uma referência para as Letras portuguesas.
Eu não sou uma
list kind of guy, mas não dispenso a minha agenda anual. É verdade que encontro alguma adversidade em adquirir a agenda ideal para mim tendo em conta que a profissão faz com que o meu "ano" comece em Setembro. Contudo, lá vou usando os moleskine porque simplesmente os acho irresistíveis no seu minimalismo exterior ou as do sindicato quando o seu grafismo ainda é aceitável (raro, muito raro!). Quando ainda era estudante e os moleskines ainda não tinham sido reeditados (pelo menos cá), usava os caderninhos de capa preta e cantos em tela, comprados na Papelaria Fernandes da Rua do Ouro. Dispensava a agenda propriamente dita, com os dias do mês e da semana, e organizava os meus "afazeres" introduzindo a página com, a título de exemplo, a informação "Seg, 20/08".
Escolhia preferencialmente os de folhas lisas, mas de quando em vez usava os quadriculados, nunca os pautados. Não me perguntem porquê porque não sei. Ainda hoje não consigo usar cadernos pautados. Todos os meus apontamentos da última década estão em cadernos de capa preta A4 quadriculados. Há-os com todos as temáticas e mais alguma, desde rabiscos assentes nos seminários a espécies de livros do professor onde registava as cotações de todas as perguntas de todos os testes de todos os alunos, bem como actas de reuniões intercaladas por ideias para questões de composição que me assolavam em momentos isolados e íam sendo casualmente dispersas pelas folhas povoadas por números atrás de números. A par destes cadernos, ía mantendo um mais pequeno, quase sempre A6 ou perto disso, que viajava na minha mala com uma caneta de tinta permanente de aparo recortado que prendia à sua capa, muitas vezes dentro do mesmo à laia de marcador.
Usava-os essencialmente durante a viagem de comboio de vinte minutos até Lisboa. Muito produzi nestes quarenta minutos diários. Desses outros há que guardo ainda. Brincava com as palavras, organizando-as pela sonoridade e cadência, julgando escrever a inefável poesia da juventude, ou então simplesmente as registava, um chorrilho de frases abundantes e rebuscadamente ataviadas ou nem por isso, muito ao estilo da escrita automática de Almada Negreiros. Pelo meio, reflexões da vidinha. Muitos fiapos. E alguns rasgos.
As nossas férias nos últimos 6 anos têm-se iniciado sempre com um fim-de-semana em Miranda do Douro para assistirmos à edição anual do
Festival Intercéltico de Sendim. Enquanto 3/4 da população portuguesa da nossa faixa etária ruma a SO, nós rumamos a NE.
É verdade, o agendamento deste festival coincide sempre com o do outro. Não que nos faça mossa, nada disso, porque não somos pessoas que se importem de partilhar o chão com uma ou outra formiga e quejandos. Mas a ideia de tomar banho aos bochechos, de nadar em pó e demais argilas (e olhem que reconheço as qualidades das máscaras faciais à base de argila que limpam, nutrem e revitalizam a pele prevenindo o envelhecimento e aparecimento de manchas, mas prefiro fazê-las no recato do meu lar), juntamente com a aromaterapia que muitos dos
freaks (e não só...), unos com o universo, gentilmente emanam (e falo tanto dos óleos corporais como das outras substâncias imoladas de diversas maneiras) não são a minha
cup f tea.
Bom. Uma vez mais convergimos até às arribas do Douro.
Descobrimos o Intercéltico já este ia na sua terceira edição. Desde então não falhámos uma. Este ano foi a oitava. No primeiro ano ficámos numas águas-furtadas, onde o
Paulo não se conseguia endireitar e com uma clarabóia que tornava os dias frigideira e as noites sauna. Nos segundo e terceiro anos regressámos à vila de Sendim, para alojamento(s) melhor que o primeiro mas muito aquém do dos anos mais recentes. Assolados pelo calor abrasador do planalto mirandês em pleno Estio, chegámos à conclusão que era a PDI que só nos fazia soçobrar a essas andanças. Ao quarto ano resolvemos experimentar uma residencial na cidade de Miranda do Douro, a 20 km de Sendim. Rendidos ao asseio e ao ar condicionado (e ao pequeno-almoço incluído), temos lá repetido a estadia nos últimos três anos. Além do conforto, aquela fica situada dentro das muralhas medievais e junto ao que resta do castelo.
Exquisite!
Ora bem. Do festival, este ano, obtivemos imagens em movimento (que, tardiamente, ainda nos lembrámos de recolher), e que nos deram um gozo imenso a compilar com o i-Movie. É esse o registo que deixo infra.